sábado, 4 de janeiro de 2014

Nascimentos de natimortos

 Nascimentos de natimortos e as reações despertadas nos profissionais de Clínicas    Obstétricas
   Por Michelle Cristina da Silveira

Acredita-se ser a morte uma das experiências mais traumáticas para o ser humano por toda carga de perda eterna que trás consigo e por ser ainda, culturalmente, um assunto tabu e evitado na maioria das famílias.
 A morte de um filho, então, é tida para muitos como insuperável, principalmente por inverter a ordem natural da vida, já que sempre se espera que os mais velhos morram primeiro (WALSH, MCGOLDRICK, 1998). E o que dizer da morte de um bebê antes mesmo dele nascer ou alguns dias após seu nascimento?
 Para tratar desse assunto, serão utilizados os seguintes termos: natimorto e neomorto I. Segundo a terminologia hospitalar de DOLNIKOFF (1997), natimorto é o nome que se dá quando a morte do bebê ocorre in útero e neomorto I, para quando a morte ocorre até o 7º dia do nascimento.
 Obviamente, os efeitos da perda de um filho são diretamente proporcionais ao desejo da mãe em tê-lo e ao significado da maternidade para mesma, segundo KLAUS, KENNELL (1993), a intensidade do luto e tristeza após a perda precoce de um bebê está diretamente relacionada à qualidade do vínculo que foi formado durante a gestação. Partindo do pressuposto que o bebê era planejado, sonhado e até idealizado, quais seriam as possíveis reações dessa mãe ao ser abruptamente frustrada com a morte de seu filho?
 Sabe-se que sentimentos como raiva, culpa e depressão são os mais comuns e previsíveis nesses casos (MALDONADO, 2000), porém, não sabemos ao certo, até por conta da subjetividade de cada um, as conseqüências dessa situação traumática.
 Tais conseqüências podem ser arrastadas ao longo da vida, já que uma perda como esta pode afetar a relação da mãe com o(s) filho(s) mais velho(s), bem como impossibilitá-la emocionalmente de ter um outro filho (BOWLBY, 1998).
 Diante de toda complexidade que envolve essa situação, não temos, enquanto profissionais da psicologia, uma estratégia de ação, diante do caos emocional que toma conta dessas mulheres e porque não dizer, da família, nesse momento. Caos esse que é agravado pela falta de recursos para lidar com a situação por parte da equipe que participa de todo processo de parto. Dados da literatura nos mostram que o nascimento de um bebê morto, evoca um senso de culpa na enfermaria obstétrica (CULLBERG, 1972 apud KLAUS, KENNELL, 1993) e a partir dessa culpa, há um questionamento sobre a própria atuação e uma preferência por não falar no assunto o que implica em um desamparo às mães que ficam sem entender o que aconteceu e o porquê de terem perdido seus filhos.
 Há a necessidade de se entender basicamente a dinâmica emocional das mulheres que passam por uma situação como esta, como se dá a elaboração do luto nesses casos e, quais as possíveis conseqüências psíquicas.
 O objetivo desse trabalho é investigar a visão dos profissionais da área da saúde que trabalham diretamente com essas mulheres, buscando através de entrevistas abertas, que os mesmos verbalizem os sentimentos mobilizados diante dessas mães e, principalmente, a atribuição positiva ou não que dão à sua conduta diante das mesmas.
 Para tanto, porém, devemos conhecer alguns aspectos da dinâmica psíquica da maternidade e do luto.


GRAVIDEZ
 No ciclo vital feminino da mulher, há três períodos críticos de transição que constituem verdadeiras fases do desenvolvimento da personalidade e que possuem vários pontos em comum (MALDONADO, 2000): a adolescência, a gravidez e o climatério.
 Todas as fases são entendidas como períodos de crises e crise pode ser definida como período temporário de desorganização no funcionamento de um sistema aberto (CAPLAN, 1963, apud MALDONADO, 2000). Esse termo pode ser empregado tanto nos períodos de transição inesperados, quanto nos inerentes ao desenvolvimento. Em qualquer caso, as crises implicam num enfraquecimento temporário da estrutura de ego, mobilizando outros mecanismos adaptativos, no sentido, de buscar novas respostas, antes, inexistentes no repertório do indivíduo. A solução elaborada por uma pessoa para resolver uma crise pode ser saudável ou doentia e pode implicar em melhora (integração e amadurecimento da personalidade) ou piora (desintegração, desorganização e desajustamento da personalidade). Toda crise é uma transição, mas, nem toda transição se constitui numa crise.
 A gravidez é uma transição que faz parte do processo normal do desenvolvimento da mulher e o período crítico vai além do momento do parto. As maiores mudanças ocorrem após o parto e, portanto, o puerpério deve ser considerado como a continuação da situação de transformação, pois, implica novas mudanças fisiológicas, consolidação da relação pais-filhos, modificações na rotina e no relacionamento familiar (MALDONADO, 2000).
 Segundo MALDONADO (1988) é no primeiro filho que acontecem as transformações mais radicais, já que será a primeira vez que o homem e a mulher deixam de ser filhos, apenas, para tornarem-se pais. Um filho, teoricamente, é a concretização de muitas coisas sonhadas, pensadas e planejadas, até mesmo, anos antes da fecundação, o que traz à tona, temores, ansiedades e expectativas.
 De acordo com NINA (1997) há na psicodinâmica da gestação três modificações psíquicas que parecem dominar:
• Crise de identidade: dá-se frente a passagem do papel de filha para o papel de mãe e ainda frente às alterações corpóreas que distorcem a imagem corporal da gestante;

•Regressão: mecanismo de defesa que aparece já que, nesse período a mulher se sente mais frágil e necessitando de maior atenção de todos que a cercam, fato esse desencadeado pela crise, normal, que se entende ser a gravidez;

•Ambivalência: está presente na grande maioria dos casos porque existem sentimentos opostos em relação à gestação, ao feto e a todas as mudanças com ele advindas. Entende-se que não há gravidez cem por cento aceita nem tão pouco cem por cento rejeitada, porém, socialmente a gravidez é vista como algo divino e sagrado e a mulher gestante, muitas vezes, se sente culpada por não querer estar naquela situação e não se sente à vontade para falar sobre isso, até porque, quase nunca tem chances.
De acordo com MALDONADO (1998) com o desenvolver da gestação e crescimento do feto, torna-se mais fácil a aceitação porque a gravidez, passa a ser mais concreta, mesmo assim, não é uma regra e a aceitação pode não acontecer.


LUTO
 Como dito anteriormente, a morte é uma certeza em nossas vidas, entretanto, não é vista como tal e muito menos, é encarada como um evento natural, ao contrário, normalmente, é vivida como um trauma.
 A morte dos mais jovens em detrimento aos mais velhos, torna a aceitação à morte, ainda mais difícil, já que ocorre de forma a não respeitar a ordem, tida como, normal da vida.
 A forma como a ligação é vivenciada determina a qualidade do vínculo e conseqüentemente a intensidade que se vive o luto.
 Vamos entender, inicialmente, o luto de uma forma geral e, posteriormente, daremos ênfase ao luto dos pais aos filhos recém-nascidos e suas conseqüências.
 De acordo com BOWLBY (1997), há uma relação causal entre distúrbio psicológico e separação ou perda ocorrida em alguma fase da vida.
 Para ele, as fases do luto são:
•Topor: Dura entre horas e semanas após a perda e é uma fase permeada, muitas vezes, por choro e raiva;

•Saudade e busca da figura perdida: Dura de messes à anos e é caracterizada por momentos constantes de lembrança à pessoa perdida e, necessidade por parte da pessoa enlutada, de estar nos lugares onde a pessoa falecida freqüentava ou gostava de estar;

• Desorganização e desespero: Início do processo de elaboração do luto saudável, onde a pessoa enlutada começa a se conscientizar da real perda e da irreversibilidade dos fatos;

•Reorganização: Momento no qual a tristeza vai dando lugar à aceitação e ao restabelecimento da rotina normal da pessoa enlutada. Pode demorar até anos para se chegar à essa fase;
Algo que se vê como um ponto facilitador para se atingir o luto saudável, é, permitir que a pessoa consiga verbalizar, o quanto for necessário, seus sentimentos e emoções sobre a pessoa perdida. Isso muitas vezes é difícil porque a pessoa enlutada tende a recriminar quem quer que pareça ser o responsável pela perda, o que inclui a si próprios, a equipe médica, entre outros e, sem perceber, agem injustamente com as pessoas que tentavam ajudar.
 Quando se trata da morte de um filho, as conseqüências e as dificuldades de elaboração do luto, podem ser ainda mais intensas. Com relação à morte de bebês, como é o enfoque desse estudo, o luto para os pais se torna ainda mais complicado: "Infelizmente, não faltam provas de que a perda de um bebê pode dar origem à problemas sérios, tanto para pais, especialmente para mães, como para os outros filhos" (BOWLBY, 1998, p.127).
 A morte fetal in útero, resultando em parto de um natimorto, é uma perda que ocorre tarde na gravidez, quando a mulher e o parceiro já se ligaram ao feto e desenvolveram esperanças e sonhos para a criança não nascida. "A confirmação do diagnóstico de gravidez associa-se à idéia de uma nova vida, já moldando destinos no imaginário" (QUAYLE, 1997, p. 218). O mais grave é que a mulher terá que suportar todo o procedimento do parto sem a recompensa de um bebê vivo ao final (MCDANIEL, HEPWORTH, DOHERTY, 1994).
 Segundo LEWIS (1979 apud KLAUS & KENNELL, 1993) "Após um natimorto, existe um senso duplo de perda para mãe enlutada, que agora tem um vazio em si, onde existia, de forma tão evidente, algo vivo" (p.280). Com um natimorto, a mãe tem que lidar com um vazio tanto interno quanto externo. O luto pelo bebê morto, muitas vezes se mistura com o luto da identidade de mãe que já estava sendo formada (QUAYLE, 1997).
 Quando a morte do feto ocorre nas primeiras horas após o parto, a mãe sente um vazio frustrante, um vínculo bruscamente rompido. Se o fato se dá nos primeiros dias ou semanas a mãe apresenta sentimentos de depressão, culpa ou até mesmo, castigo. Ambos os casos, trazem a vivência de uma crise emocional de difícil elaboração e superação.
 Na tentativa de trazer a vida para o mundo, e vendo-se incapaz de mantê-la, a mulher tende a estender essa incapacidade à sua feminilidade, vendo a como estragada, inadequada e insatisfatória. Com essa percepção de insucesso, reconhece-se, além da vergonha e da angústia, um desejo de morrer, como se morte significasse a união à criança falecida.
 Quando não se sabe a causa da morte, os efeitos psicológicos são aumentados: "Até que a compreensão se torne consciente e seja dotada de significado, a transformação do luto não pode se completar plenamente" (SAVAGE, 1989, p. 143). Isso porque, o não esclarecimento da morte, gera culpa e fantasia de que a perda foi provocada por algo errado que a mulher, o homem ou o casal fizeram ou ainda, deixaram de fazer. As mães tendem a buscar responsáveis pelo ocorrido, quando não culpam a si mesmas, culpam a equipe médica (atraso no atendimento, incapacidade, incompetência...) ou até mesmo Deus (castigo, noção de que ela não teria condições de cuidar de um bebê...).
 Reconhece-se uma intensa necessidade dos pais de lembrarem-se de seus filhos mortos, como se esquecê-los fosse algo digno de vergonha. Entendem, fantasiosamente, que quanto mais numerosas as lembranças, sobre o filho, maior o contato com eles, como se o não esquecimento os proporcionasse uma extensão do relacionamento (SAVAGE, 1989).
 Se o luto é impedido, o resultado pode ser patológico. Grande maioria das mães segundo a pesquisa de WOLF (1970 apud KLAUS & KENNELL, 1993), que passaram por essa situação, queixaram-se das práticas hospitalares que abafavam as respostas à perda e também sobre a impossibilidade de decidirem por si mesmas se gostariam ou não de ver e tocar o bebê morto: "Tocar um bebê natimorto é importante para tornar o evento real e para facilitar o luto..." (LEWIS, 1979 apud KLAUS & KENNELL, 1993, p.302). Em alguns hospitais, essa prática nem ao menos é cogitada e o bebê é removido, sem autorização, ou ao menos conhecimento da mãe.
 Nesse contexto, os pais devem se permitirem e ser permitidos a expressarem sua dor através da melancolia, do choro, da revolta, da apatia à vida, da insônia, entre outros, dentro desse quadro de normalidade. Reações como essas citadas, significam projeção da raiva, o que torna a dor mais suportável. Quando esta não acontece externamente, ocorre, então, internamente gerando depressão e ideações suicidas, com sentido de autopunição. Nesses casos, uma intervenção terapêutica se faz necessária (SAVAGE, 1989).



RELAÇÃO MÉDICO X PACIENTE
 Um dos pontos cruciais desse estudo é, entender, basicamente, como se apresenta a relação entre médicos e pacientes, para então, podermos ter noção de como se dá os impactos aos médicos de uma morte neonatal.
 Mostra-se necessário, que o paciente reconheça seus direitos para que possa melhor se relacionar com seu médico, principalmente, porque, ser paciente não é algo fácil. De acordo com GAUDERER (1991) o paciente está exposto física e psicologicamente devido ao turbilhão de emoções que estão ocorrendo nesse momento e, muitas vezes projeta, as mesmas na figura do médico dificultando a relação.
 O sujeito doente quer uma explicação sobre a sua doença o que o remete à sua imortalidade e o desestabiliza emocionalmente. O papel do médico é, colaborar para o restabelecimento desse indivíduo, o que se dá através do conhecimento e da sua relação com o mesmo.
 "Sofre o paciente. Sofre também o médico por diagnosticar uma doença e transmitir uma realidade indesejável" (GAUDERER, 1991, p.15).
 O sofrimento ao qual nos referimos, é proporcional ao nível de envolvimento do médico com o seu paciente, o que justifica o distanciamento de muitos deles nas situações graves e irreversíveis.
 "É mais cômodo descrever, palpar, medir, manipular um corpo à partir do exterior, do que acolher uma linguagem e envolver-se numa participação, num diálogo ou num silêncio atencioso..." (SARANO, 1978, p.05).
 Tendo em vista a formação universitária dos médicos, é praticamente incabível aceitar um "não sei" diante de um quadro clínico Isso faz com que eles se apresentem de forma arrogante e autoritários na tentativa de impor o seu poder e ao mesmo tempo, de se defender da insegurança e da ignorância não aceita por eles mesmos.
 "Os médicos sempre procuram 'driblar' a morte e todas as possibilidades terapêuticas são usadas para 'enganá-la'" (GAUDERER, 1991, p. 90). Isso porque a medicina tem a função de salvar vidas. Aceitar a morte é, aceitar a própria impotência e fracasso, e essa limitação frustra e causa dor pessoal, alimentada, ainda mais, pelas cobranças da sociedade no sentido de não aceitar erros médicos.
 De acordo com BALINT (1988), os médicos ouvem, mas não sabem escutar e tendem a não entrar em contato com os sentimentos dos pacientes, racionalizando, na tentativa de explicar o quadro com dados científicos ou prescrevendo remédios como calmantes e sedativos, por exemplo.
 Não estamos aqui dizendo que a solução está em exigir que os médicos façam psicoterapia com seus pacientes, porém, se houvesse uma maior sensibilidade ao ouvir o que o paciente tem a dizer e a reconhecer que aspectos psicológicos existem e interferem na relação, o contato com o paciente teria uma função mais acolhedora e logo, terapêutica, favorecendo, inclusive, na melhora do quadro.

Reações da equipe médica à morte fetal
 A equipe da neonatologia é envolta diariamente em uma angústia e estresse constante, principalmente por estar sempre vivendo situações limites em seu cotidiano, nas quais, a morte se apresenta de forma predominante.
 Normalmente, os membros dessa equipe, ficam divididos entre atender as diferentes demandas de um bebê internado na UTI, correndo risco de vida, e de atender mães e pais desesperados por informações esclarecedoras e reconfortantes.
 O cotidiano é desgastante já que as relações são permeadas pelo receio diante da morte, o que implica em um estado de alerta sempre presente, onde cada alteração de quadro precisa ser valorizada em uma luta, diária, contra a morte.
 Os profissionais que trabalham nessas equipes sentem-se desarmados face às reações paradoxais dos pais. Podem esperar um reconhecimento e encontram, às vezes, raiva, até mesmo ódio, ou, ao contrário, total submissão. Pesa sobre eles, nessa situação o peso do indivisível e do intolerável (WANDERLEY, 1999 p.37).
 Atualmente, no contexto hospitalar, a morte deixou de ser um fenômeno natural para ser tida como um fracasso, um sinal de imperícia e, portanto, é evitada, negada e esquecida "para não se romper a rotina hospitalar" (ÁRIES, 1982 apud CAETANO, 2002, p.91).
 Os médicos lidam com as mães enlutadas tratando apenas sintomas físicos e prescrevendo sedativos de forma liberal (GILES, 1970 apud KLAUS & KENNELL, 1993). Evitam discutir a morte do bebê. Os residentes não respondem as questões da família, deixando para um médico mais experiente que, também, evita o fato. Acreditando ser o melhor a fazer, a equipe, normalmente elimina rapidamente qualquer vestígio do bebê morto e coloca o corpo, sem funeral numa sepultura comum (BOWLBY, 1998), sem permitir que os pais escolham ou opinem sobre os procedimentos.
 A dor dessa perda rompe o equilíbrio familiar e institucional, não havendo espaço na maternidade para esses "pais sem filhos". Os profissionais, talvez por sentirem que falharam em seu trabalho, tendem a afastarem-se desses casais, desamparados para lidar com a dor psíquica que, embora reconhecida, é desvalorizada. Na morte do recém-nascido e no óbito fetal, tenta-se acreditar que a pouca (ou nenhuma) convivência dos pais com seu bebê facilitará a aceitação de sua morte, diminuindo as repercussões de sua perda (QUAYLE, 1997, p.218).



PESQUISA
 Para entender, na prática, a dinâmica das clínicas obstétricas diante de uma situação de luto materno, um questionário foi aplicado nas equipes de UTI neonatal e em alguns psicólogos que trabalham nesse serviço. Obtivemos a seguinte conclusão:
 Acreditamos ter havido uma certa resistência por parte dos profissionais colaboradores, a falar ou pensar sobre o assunto, visto que a entrega dos questionários foi muito atrasada e, inclusive, dois deles não foram entregues.
 Verificou-se que a escolha da área de atuação por esses profissionais está diretamente relacionada, na maioria dos casos, com identificação profissional ou pessoal. Esse fato nos faz pensar que, possivelmente, conteúdos desses profissionais vêm à tona no momento que acontece uma situação de perda na enfermaria, o que os impede de agir profissionalmente, por haver uma mistura com o sofrimento das mães. Entendemos que há a empatia, porém, não fica claro seu limite entre o profissional e o pessoal, servindo mais como uma defesa dos profissionais que acabam ora se distanciando, ora se paralisando diante do ocorrido, não estando disponíveis para oferecer o acolhimento necessário à mulher enlutada.
 Através dessa questão, também, se pode explicar o fato da não solicitação do trabalho da psicologia nesses casos e ainda, a falta de reconhecimento desses profissionais ao próprio despreparo. Isso é entendido porque acreditamos que eles mesmos esperam poder dar conta da situação, no âmbito profissional, como forma de resolução de seus conteúdos pessoais.
 Mesmo não sendo este o objetivo do trabalho, e sabendo-se que a pesquisa foi realizada em somente dois centros específicos, o que é uma amostra muito pequena, achamos necessário ressaltar a questão de que existem falhas na inserção do psicólogo em uma equipe de neonatologia.
 Apesar da demanda latente existente por parte da equipe, do grau de sofrimento que acomete as mães que perdem um filho nessas unidades e, principalmente, das seqüelas que podem existir após vivência como esta, não há uma assistência psicológica sistemática à essas mães, a não ser quando os profissionais solicitam, o que também não é comum. Esse fato pode ser entendido como uma não abertura dessas equipes à esses profissionais, já que como dito anteriormente, a demanda é latente e, apesar do reconhecimento da dor, a mesma é desvalorizada, tanto a das mães, quanto a dos profissionais.
 Acreditamos que esse trabalho possa vir a servir como uma conscientização aos profissionais da equipe para que possam se dar conta de que questões pessoais podem interferir nas atuações profissionais e, aos psicólogos para que possam estar mais atentos à um campo de atuação ainda não reconhecido, porém, muito carente de condutas específicas, em primeiro lugar pelo sofrimento das mães que vivenciam situação de perda como esta tratada no trabalho e, em segundo lugar, pela equipe, que merece atenção especial no sentido de refletir sobre as condutas adotadas e sobre os limites entre profissional e pessoal diante desses casos.



REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS
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 BLEGER, J. Psico-higiene e Psicologia Institucional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984.
 BOWLBY, J. Formação e rompimento dos laços afetivos. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
 BOWLBY, J. Separação: Angústia e Raiva. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
 BOWLBY, J. Perda: Tristeza e depressão. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
 CAETANO, J.R.M. O risco perinatal (re) visitado: Um estudo da percepção materna sobre a experiência da morte perinatal. São Paulo, 2002. [Tese de Doutorado - Faculdade de Saúde Pública / Universidade de São Paulo].
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 DOLNIKOFF, M. Lições de clínica obstétrica. São Paulo: Arte e Ofício, 1997.
 FILHO, E.N. Os processo de identificação e introjeção na gravidez. In: ZUGAIB, M. TEDESCO, J.J., QUAYLE, J. Obstetrícia Psicossomática. São Paulo: Atheneu, 1997.
 FILHO, E.N. Obstetrícia e Psicoterapia: A Interface. In: ZUGAIB, M. TEDESCO, J.J., QUAYLE, J. Obstetrícia Psicossomática. São Paulo: Atheneu, 1997.
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