sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Natureza jurídica dos cemitérios

Natureza jurídica dos cemitérios

Rogério José Pereira Derbly
 
Introdução
Conceituar a natureza jurídica dos cemitérios é tarefa árdua, pois, a doutrina é vacilante, isto porque, alguns entendem tratar-se de domínio privado, já outros, entendem tratar-se de domínio público.
Assim, antes de entrar no cerne da questão, entendo ser necessário, para um melhor entendimento, começarmos estudando a natureza jurídica do direito de sepultura.
Natureza Jurídica e Princípios Jurídicos
É sabido que é na definição da natureza jurídica dos institutos jurídicos que se encontram as maiores divergências entre os doutrinadores, pois, é por meio dela que se pode chegar com precisão as características regedoras do instituto, bem como, quais princípios norteadores.
Sobre os princípios do direito, esclareceu o Mestre Alfredo Rocco, que uma disciplina jurídica, para que tenha autonomia, é necessário possuir domínio suficientemente vasto; que possua doutrinas homogêneas presididas por conceitos gerais comuns, distintos dos de outros ramos do direito e que possua método próprio.
Américo Pla Rodriguez definiu princípio como “diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções, pelo que, podem servir para promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das existentes e resolver os casos não previstos”.[1]
Sem embargo, temos ainda as aulas do mestre Eduardo Couture, que, por meio de seu “Vocabulário Jurídico”, definiu-o nos seguintes termos: enunciado lógico extraído da ordenação sistemática e coerente de diversas normas de procedimento, de modo a outorgar à solução constante destas o caráter de uma regra da validade geral.
No caso presente, temos uma escassez de doutrina, o que a torna omissa e, por conseqüência, uma jurisprudência vacilante.
O mestre Justino Adriano Farias da Silva, em sua obra Tratado de Direito Funerário esclarece que “o patriarca Abraão, assim que morreu Sara, sua esposa, comprou a Efron o seu campo, onde havia uma caverna, com dois compartimentos, em um dos quais sepultou Sara, e, por sua morte, foi sepultado no outro”.
Assim, poderíamos pensar que outrora o sepultamento poder-se-ia dar em área particular, no caso, em área adquirida pelo próprio particular.
Não obstante o registro acima, tenho, nos dias atuais, que essa hipótese é praticamente impossível, se não totalmente impossível, isto porque, os sepultamentos ocorrem em cemitérios sob a responsabilidade da municipalidade ou, em raríssimos casos, em cemitérios pertencentes à comunidade religiosa.
Sepultura – conceito, direito privado, público e canônico.
Preliminarmente, segundo as aulas do professor Justino Silva: “sepultura tanto é a inumação que se realiza em cova, fossa ou vala e, portanto, é ato, ação ou efeito de sepultar um cadáver, como também pode ser o solo (fossa, cova ou vala) ou em construção, onde um cadáver está inumado”.
Diante da conceituação acima, poderíamos, se não fossem os novos cemitérios verticais, afirmar que só haveria sepultura no solo.
Assim, sepultura é o local onde se coloca o corpo do cadáver, dentro do solo[2], podendo, em determinados casos e, ainda, em determinadas religiões, ser sepultado em outro lugar.
É pacifico que o direito à sepultura é um direito civil da pessoa e/ou de seus herdeiros[3], esclarecendo que sua regulação não fica adstrita ao direito privado, mas, sim, ao direito público e, também, ao direito canônico.
O direito de ser sepultado é conferido à todos de forma geral e abstrata, porém, alguns, ainda em vida, preferem outras formas de sepultamento, como, por exemplo, a cremação e depósito das cinzas em locais de suas preferências. Há também os sepultamentos extraordinários, como ex vi os realizados em alto mar. Contudo, o certo é que o direito à sepultura é um direito personalíssimo e potestativo, vale dizer, direito em expectativa que se consumará pela ocorrência do evento morte.
Saliente-se, que com a morte outra questão se abre, qual seja, saber se o direito que o falecido detinha se transfere aos seus herdeiros.
Logo, temos duas acepções de sepultura: a primeira, diz respeito ao direito personalíssimo e pessoal de ser sepultado quando do acontecimento MORTE, neste caso, seu conceito é mais afinado do conceito genérico de sepultura, que no caso; a segunda, qual seja a de que a sepultura representa o local ou a construção onde o morto “irá descansar”.
Portanto, temos claramente que o direito de ser sepultado não se imiscui com o direito à sepultura, pois, são direitos diversos e com tratamento distintos.
Sobre essa questão temos a abalizada e perfeita opinião do imortal Mestre Pontes de Miranda, opinião essa esplanada em seu Tratado de Direito Privado, Tomo XXVIII § 3.346, assim disse:
“Os cemitérios Públicos são impenhoráveis, porém não o ius sepulchri, quer se trate de direito de tumulação  em sepulcro de família, quer em pedaço de terra de destinação sepulcral individual. No direito Canônico, o direito à sepultura é impenhorável.”
Registre-se, a percuciente lembrança do brilhante trabalho de Justino Silva, que esclarece, com arrimo em Tolivar Alas (doutrinador espanhol): “a idéia de sepultura não pode estar divorciada da de cemitério”.
Portanto, como se pode verificar, a confusão é tamanha. No intuito de amenizá-la, estudaremos a sepultura sob os olhos do direito administrativo.
O direito administrativo foi utilizado como ferramenta última para uma tentativa de definição da natureza jurídica da sepultura, pois, até então, restava imbatível o conceito sob o prisma civilista.
Em tratado escrito por Miguel Marienhoff sob o título “del domínio público” consta a afirmação de que a confusão em saber se a natureza jurídica da sepultura era de direito civil, derivou das várias decisões prolatadas pelos tribunais civis”.
Justino Silva afirma, ainda, que essa divergência derivou e deriva da falta de obras específicas sobre o tema e, por tal motivo, os julgadores, arraigados nas obras escritas em tempos pretéritos, julgam os casos a eles submetidos sob o prisma civilista.
O mestre Hely Lopes Meirelles, in Direito Municipal Brasileiro, Editora Malheiros, 8ª edição, pág.322, ensina que o serviço funerário é de competência municipal, por dizer respeito à atividade de precípuo interesse local, qual seja, a confecção de caixões, a organização de velório, o transporte de cadáveres e administração de cemitérios”.
Mais à frente, o citado mestre antes mencionado tece os seguintes apontamentos:
“os terrenos dos cemitérios municipais são bens de domínio público de uso especial, razão pela qual não podem ser alienados, mas simplesmente concedidas aos particulares para as sepulturas, na forma do respectivo regulamento local”.
E arremata, afirmando que:
“a concessão de uso dos terrenos de cemitérios é um modo de utilização privativa do domínio público, segundo a sua destinação específica”, podendo essa ser revogável “desde que ocorram motivos de interesse público, ou seu titular descumpra as normas de utilização, consoante têm entendido uniformemente os tribunais”.
Por isso, alguns chegam a conclusão de que a doutrina é confusa e vacilante sobre a natureza jurídica da sepultura. No entanto não é o nosso entendimento, pois nada há de confuso, isto porque o direito de ser sepultado é um direito pessoal – personalíssimo – portanto, regido pelo direito civil. Diferentemente o direito à sepultura, que ao nosso sentir, é um direito híbrido, pois, tanto é regulado pelas leis civis, como pelas leis e princípios do direito administrativo.
Assim, nada há de confuso.
Natureza Jurídica do Cemitério
Ultrapassada essa parte, passo a comentar o tema proposto, vale dizer, o direito à sepultura.
Ao tratar do direito à sepultura adentramos, mesmo que de forma indireta, no conceito jurídico de cemitério, para tanto, com supedâneo nas lições mestre gaúcho já citado, temos que:
“....são eles bens imóveis, públicos ou privados, de uso especial, destinados ao sepultamento dos cadáveres ou restos mortais, sob o poder de polícia mortuária do município”.
Com essas primeiras palavras, logo se tem a clara definição de que os cemitérios podem ser públicos, “no sentido de pertencer ao Poder Público” ou privados, sendo que neste último caso, a Administração Pública apenas exerce o Poder de Polícia.
Não obstante essa divisão restar clara, doutrina e jurisprudência ainda vacilam sobre a natureza jurídica dos cemitérios e, tentando esclarece-la, demonstraremos as teses do domínio privado e do domínio público.
Teoria do Domínio Privado
Os que defendem a teoria do domínio privado, e aqui ressaltamos como exemplo a doutrina do mestre francês Ducrocq[4], afirmam que:
“os cemitérios são de domínio privado, primeiro porque o Município percebe os frutos, segundo, porque outorga sobre eles, direitos reais.”
Assim, na acepção dessa corrente, o cemitério seria uma fonte de recurso dos municípios.
Por fim, a conclusão é a de que essa doutrina não chegou a emplacar porque o fato de a Administração Pública deter o poder de polícia de concessão de serviço público e fiscalização sobre os cemitérios e, ainda, de qualquer bem, inclusive particulares, não confere garantia jurídica à tese.
Teoria do Domínio Público
A teoria do domínio público é a que tem maior números de adeptos, podendo enfileirar os seguintes mestres do direito que classificam os cemitérios como sendo bens de domínio públicos: Themístocles Brandão Cavalcanti. J. M. Carvalho Santos e Otto Mayer.
Bem de uso comum do povo ou de uso especial
A teoria do domínio público vai divergir tão-somente na classificação do bem, vale dizer, saber se é de uso comum do povo ou de uso especial.
Os que sustentam tratar-se de bem público dominical do município, “afirmam que o titular do cemitério é o Município onde está localizado o cemitério, titularidade essa patrimonial de direito privado”.
Já aqueles que sustentam ser um bem de domínio de uso comum do povo, o fazem com base na argumentação de que os cemitérios não têm a finalidade de produção de rendas pára o Município, portanto, não poderia ser ele um bem dominical.
Também há aqueles que sustentam ser o cemitério um bem público híbrido, vale dizer, um bem em que estariam presentes, concomitantemente o uso comum e o uso especial.
José Cretella Júnior e Maria Sylvia Zanella Di Pietro, entendem que o cemitério é um bem público de uso especial, especial porque não tem em nosso direito pátrio uma quarta espécie de uso de bens públicos, isto porque, segundo esses doutrinadores ora serão comuns ao povo - quando estes quiserem visitar seus mortos-; ora dominicais - ou especial - quando for afetado pelo uso específico de cemitério.
Particularmente, entendo que a afirmação acima é desarrazoada, principalmente com a Política adotada por toda a administração pública, seja ela federal, estaual ou municipal, qual seja a descentralização dos serviços públicos.
Ora, o que é publico é a competência dos Municípios para exercerem o poder de polícia e de concederem a concessão de uso do serviço funerário. Com esse entendimento chega-se a conclusão de que poderemos ter cemitérios particulares, desde que o concessionário tenha, por meio de procedimento licitatório regular, conseguido da administração pública a concessão de explorar tal serviço, mediante pagamento de alguma taxa.
Assim, diante das breves palavras, entendemos que os cemitérios podem ser tanto bens públicos ou bens privados, geridos sob concessão pública, não podendo prevalecer unicamente a tese do direito privado, pois, como já foi dito alhures, esse direito é híbrido, pois, em determinado momento será regido pelo direito privado e no mesmo momento ou em outro, poderá estar regido pelo direito público.

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