quarta-feira, 17 de julho de 2013

Viver Fugindo da Dor? É Possível Viver com a Dor da Perda?


Na contemporaneidade a morte tornou-se um produto a ser disfarçado (a morte é companheira de tudo que a cultura nos instrui a evitar: doença, dor, perda, velhice), e muito rapidamente buscamos nos despedir de quem morre e nos afastamos da família enlutada. O nome do jovem morto entra no limbo, quem ousaria citar seu nome e relembrar aos pais do ocorrido? Cria-se uma espécie de pacto do silêncio, os enlutados precisarão fingir que estão bem e os demais, sem muita clareza, supõem que todos estão levando a vida da melhor forma, a caminho da recuperação. Nem sempre é assim.

A maioria dos que “escolherem” fingir que a dor não se faz presente, para si e para os outros, vive como se fosse presa de um caçador implacável. Se não chorar não é o que se espera de mim, soltarei meu pranto em doses homeopáticas na hora do chuveiro. Arranjo desculpas para não frequentar ambientes sociais festivos, digo que já tenho outro compromisso, até que um dia desistam de me convidar. O álcool ou os tranquilizantes podem se tornar substância de abuso. Filmes tristes, livros, noticiários, novelas e conversas, qualquer dessas coisas pode evocar lembranças e emoções difíceis. Na verdade, não há como fugir da dor. E nem se deve.

Fazer o que, então? Entregar-se ao desespero? Deixar-se morrer devagar? Forçar o enlutado a viver, sabe-se Deus como? Primeiro aspecto a se considerar: a maioria dos processos de luto chega a uma resolução saudável num período entre seis meses e um ano. Carinho, comunicação aberta, tolerância ao sofrimento alheio, incentivo suave para se retomar gradualmente a vida (inserindo a morte neste panorama, e honrando a estrada que os pais trilharam junto com o filho que partiu) são recursos suficientes para auxiliar algumas famílias.

No entanto, outros pais precisarão de cuidados intensivos, mais específicos. Afinal, no ranking dos eventos estressores, capazes de abalar seriamente um ser humano, a morte de ente querido ocupa lugar de destaque. E estressores dessa magnitude favorecem que problemas de saúde surjam, ou se agravem. Por exemplo, embora tristeza seja normal, a situação de luto não elaborado pode evoluir para depressão. E por ser uma condição clínica, é tratável por meio de psico e fármacoterapia.

Nenhum tratamento afasta a dor da perda, mas facilita ao indivíduo a lutar pela sua recuperação. Que luta é essa? Pessoas, quando bem sucedidas no exercício de suas funções parentais, são pessoas amorosas, que se dispõem a cultivar naquela semente de vida (que escolheram gerar ou adotar), o potencial da dignidade, honradez, sabedoria, bondade, grandeza nos atos e nas intenções. Filhos aprendem por exemplos, daí a importância dos pais serem consistentes, coerentes em suas palavras e ações. Quando o filho se vai, talvez seja hora de continuar celebrando os valores nobres que procuramos incutir em nossos filhos. Em memória da criança ou jovem morto, vamos viver plenamente, abrindo espaço para toda oportunidade de alegria e dor.

Um sentimento não anula o outro, afinal a vida é um mix de sentimentos, desejos, realizações e anseios. Se nosso filho estivesse vivo e nos procurasse em busca de conforto na adversidade, o que diríamos a ele, do fundo de nosso coração? “Filho querido, calma. A vida tem dessas coisas, mas lá na frente a luz vai voltar. Não desista, busque outros caminhos, olhe o que de bom você já conquistou, conte comigo”. Se essas palavras teriam sido ditas fundamentadas numa convicção pessoal firme, é hora do pai enlutado dizer algo similar a si próprio: “Meu coração dói demais agora, mas eu sei que lá na frente haverá algum mel nos meus lábios, luz nos meus olhos, esperança no coração. Resta-me descobrir como. Darei uma chance à vida, homenagearei meu filho permanecendo na luta em meio a esse mundo tão estranho e complexo no qual construí uma família”.


Fonte: Uol - Vya Estelar - por Regina Wielenska

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